quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O dia em que te esqueci - Margarida Rebelo Pinto

". . . Depois da forma ignóbil e cobarde como te comportaste da última vez em que estivemos juntos, encenando a tua atitude com falta de tacto e tentando desculpa-la com o recurso sempre nobre à "sinceridade", nunca mais poderás ascender ao pedestal da tua suposta dignidade.


Restava-te apenas aquilo que fizeste: sair pelo teu pé, ligeiramente cambaleante, de olhos postos no chão e sem olhar para trás. . .

 Este e outros raciocínios do mesmo tipo denotam uma índole insegura e profundamente egoísta. Nunca sabes o que queres e vives tão perdido nas tuas dúvidas que nem sequer consegues perceber o mal que podes infligir aos outros. . .

. . . Gosto de arrumar a memória por capítulos, momentos-chave, etapas ou qualquer outra fórmula artificial que não me faça perder o sentido diacrónico da realidade que vivi e que me leve a acreditar que avancei, tantas vezes atrás de tempo, embora sempre a tempo, porque vamos sempre a tempo desde que saibamos aceitar e aprender. A vida espera sempre por nós, só a morte é que nunca espera. . .

. . . Os homens que conheço são na sua maioria bons; porém, não profundamente bons. Ser profundamente bom é ser dominado pela integridade. É pensar sempre nos outros. É saber ajudar sem interferir. É acreditar que um grande amor pode apagar todas as fronteiras, derrubar todos os muros e construir uma nova ordem natural das coisas. Quem me dera ser profundamente boa. Tenho a certeza que seria uma pessoa mais feliz .

. . . A vontade é o avesso do medo. Só um ou o outro comandam o mundo. Quantas guerras não começaram por medo? Quantas batalhas não se venceram pela força da vontade?

A força da vontade, que também responde por força de vontade, é algo que só conheces no trabalho, no estrito cumprimento dos teus deveres profissionais e familiares. Onde está a tua vontade mais profunda? Onde se escondem e como são os teus desejos mais escondidos? O que queres VERDADEIRAMENTE da tua vida? Ninguém pode responder a estas questões senão tu próprio. para isso, seria necessário conheceres as respostas . . .



. . . Quando amamos alguém, não perdemos só a cabeça, perdemos também o nosso coração. Ele salta para fora do peito e depois, quando volta, já não é o mesmo, é outro, com cicatrizes novas. Às vezes volta maior, se o amor foi feliz; outras, regressa feito numa bola de trapos, é preciso reconstruí-lo com paciência, dedicação e muito amor-próprio. E outras vezes não volta. Fica do outro lado da vida, na vida de quem não quis ficar ao nosso lado. . .



. . . As minhas lágrimas ouviram- se do outro lado do mar. Tu também me conheces bem, também sabes o que sinto à menor inflexão da minha voz. Nunca disfarcei a tristeza contigo . . . Tentei rir-me da situação, queria que tudo fosse mais leve (...) sobretudo para mim, porque já sofri por ti tudo o que tinha a sofrer . . . Eu chorava, mas sabia que as minhas lágrimas eram apenas um desabafo, uma forma eficaz de limpar de vez o que restava do meu amor por ti. Estas lágrimas serviam para lavar a minha alma definitivamente e livrar-me assim, para todo o sempre, da tua presença e da tua imagem. . .


. . . Disse-te ainda muito mais, embora não tudo o que precisavas de ouvir. Apenas o suficiente para me dares mais uma vez razão, concordar que acertava em tudo e que tão sabias palavras eram como pregos no teu caixão. A verdade atirou-te para a valeta, não foi? Quando nos habituamos a agir sem integridade, a verdade pode tornar-se um arma letal, e enfrentá-la é quase como desafiar a morte. Foi então que te falei no livre-arbítrio, essa milagrosa capacidade do ser humano em escolher aquilo que quer para si e de mudar para melhor. Pedi-te que usasses a tua integridade, esse princípio abençoado que rege a conduta dos livres, e que também se treina. Pedi-te que te socorresses dela, que te entregasses de alma e coração à próxima mulher por quem te apaixonasses, para dares a ti próprio uma oportunidade de experimentar uma nova existência. . .



. . . É quando já não esperamos nada das pessoas que elas morrem no nosso coração, lembras-te? Mas agora é diferente. Agora já não espero nada de ti. Sabes porquê? Porque não tens nada para dar . . .



Provavelmente já nada te conseguirá mudar. Viverás sempre assim, escondido de ti próprio, usando o bom coração das mulheres que te forem amando, alugando-lhes amor e tempo em troca de promessas dúbias e declarações ambíguas, aguentando-te o melhor que conseguires num charco de equívocos e meias verdades. Nem sequer és imoral, és só amoral. E, ainda pior do que seres amoral, sou obrigada a reconhecer que não tens carácter. Não é que tenhas mau carácter, vê se me entendes; simplesmente és desprovido dele . . .



. . . E foi tudo. Nem te consegui arrancar nem mais uma palavra. Nunca respondes às ondas de paixão que te atiro, tantas vezes sem querer, sem ter a noção de quanto isso te sufoca. Não faço de propósito, acredita, é mais forte do que eu . . .



. . . É já que não posso voar por cima das pedras que me vão surgindo pelo caminho, guardo-as uma a uma, para construir o meu castelo . . .



. . . A realidade é evolutiva, e o que era verdade há tempos, hoje já não existe e nem sequer faz qualquer sentido. E as saudades também vão morrendo, porque não podemos continuar a amar aquilo que já não existe. . .



. . . A carne fala mais alto, as células têm a sua própria memória. Ainda que eu não quisesse, elas encarregam-se de me lembrar o que foi importante na minha vida. E tu foste muito importante, porque te amei sem restrições nem limites, aceitando-te com todos os teus defeitos, perdoando os teus reveses mais vezes do que seria recomendável, encolhendo os ombros às tuas hesitações, esperando sempre que um dia deixasses de ter medo de ser feliz e arriscasses uma mudança na tua vida. Para isso seria preciso que o desejasses, que considerasses que tal mudança te faria mais feliz, te poderia trazer algo que te faz falta, e disso, meu querido, não tenho a certeza . . .



. . . Podemos demorar muitos anos até conseguir passar por cima das coisas sem mágoa. Primeiro vem o esforço, depois o falso esquecimento. Seguem-se o rancor, a revolta, a sensação de impotência . . .



. . . Há mesmo um dia, meu querido, em que chega a libertação, dia D do coração. Nunca é quando queremos, apenas e só quando estamos preparados. E para nos prepararmos é preciso querer. Quantas e quantas vezes as pessoas usam o verbo conseguir de forma errada! Quando eu dizia que não te conseguia esquecer, a verdade é que não queria esquecer-te. Tu alimentaste a minha inspiração durante demasiado tempo e nada é mais difícil de uma pessoa se libertar do que de um hábito que lhe traz benefícios. . .



. . . Querer e conseguir não são o mesmo; só consegues quando queres, o contrário não é possível. Escrevo para me ler e para me ouvir, porque também preciso das minhas palavras. Preciso que elas me alimentem sem que ao mesmo tempo me matem. Palavras de alento e de esperança, agora com os pés na terra, em vez de voar como um pássaro atrás de quimeras. Quantas vezes os oásis mais desejados não passam de miragens! . . .



. . . O amor é um caminho a dois. Caminante no hay camino, se hace camino al andar. E a grandeza de um homem está em ser uma ponte, não uma meta, e ninguém consegue construir uma ponte sozinho. . .



. . . Deseja-me boa sorte, porque a quero e a mereço. E a ti, desejo-te a paz possível de uma existência subtraída, e o desejo que um dia encontres a saída do teu labirinto. Espero que a gratidão te guie e ilumine com a mesma força com que me tem conduzido. . .



. . . Não guardes esta carta no teu coração, ela não te pertence. Pertence a todas as mulheres que aprenderam a deixar de sofrer por amor e conseguiram seguir o seu caminho, encontrando a saída, ou uma das saídas do labirinto. . .



. . . A tua chave está dentro de ti, ninguém tem o poder de ta entregar. Descobre-a e usa-a para encontrares o teu próprio caminho. Afinal, não é o que todos tentamos fazer

1 comentário:

  1. ..como homem admito que não de ter o seu sim e é de verdade.. :´(

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